É
noite. A lua cheia está parcialmente encoberta por nuvens.
A
mansão no alto da colina, afastada da cidade, está em silêncio. Apenas dois
homens a ocupam.
Um
dorme confortavelmente em seu quarto.
O
outro está sentado no estúdio que um dia foi de seu pai. Observa o busto
esculpido de seu progenitor. Um observando o outro. Impassíveis e imóveis.
As
nuvens dispersam-se. O luar entra pela janela, criando sombras que deixam o
ambiente mais pesado.
Ele
faz parte de uma linhagem aristocrática, nobre, daquela cidade.
Seu
pai foi morto juntamente com sua mãe, ao saírem de uma sessão de cinema[2], por um assaltante de
quinta categoria dezoito anos antes.
Ele
estava presente. Um garoto fraco. Indefeso. Mas naquela noite, ele estava
feliz. Pulando ao redor do pai e da mãe, empolgado com o filme Zorro. Sua alegria
foi extirpada em seu âmago.
Único
sobrevivente de uma cena que poderia ter tido um outro final, caso seu pai não
tivesse falhado em deter o ladrão. Disparos, como trovões, ecoaram pelo beco
atrás do cinema. Ele ainda escuta o som em sua mente. Atormentando-o por não
ter poder, idade e compleição física para ajudar seu pai. Aquele ato heroico de
seu pai, tentando proteger sua família, foi inútil. Em sua mente ainda recorda sua
mãe caindo e rodopiando no ar, lentamente, sem poder ajudá-la ou ampará-la. Quanto tempo, ajoelhado ao lado dos corpos,
ele esteve até chegar ajuda?
O
ladrão, assustado demais, fugiu. Não levou nada. O colar de pérolas de sua mãe,
rompeu-se. Tornou-se um item inútil, para um ato com resultado também inútil.
Naquele
dia fatídico, ele jurou combater o crime.
Mas
ele não sabia como. Então se preparou para isso. Foram anos de aprendizado pelo
mundo. E, quando se julgava pronto, voltou para pôr seu plano em prática.
E
nesta noite, na sua primeira noite conhecendo a cidade que deve ser limpa de
todo o mal, ele quase pôs tudo a perder. Sua vida está por um fio. Seu braço
tem uma grande hemorragia. Ele roga a seu pai que lhe dê um sinal. Que lhe
mostre como deve seguir nessa trilha de combatente. Como provocar medo nos
criminosos para que possa prendê-los e acabar com o sofrimento de outras
famílias, de outros Bruces, Marthas e Thomas. Caso não consiga encontrar um
meio, ele deixará sua vida esvair-se em sangue.
Então,
sem o menor aviso, um grande morcego negro, entra pela janela estilhaçando o
vidro do estúdio. O vento entra com ímpeto quase sobrenatural, que faz as
cortinas tremularem. O mamífero voador, pousa sobre o busto de Thomas Wayne, olhando em direção a ele.
Sem refletir muito, ele entende como um sinal.
“Sim,
pai. Eu me tornarei um morcego.”
Ele toca um sino
chamando seu mordomo.
Páginas da Revista Batman nº 404, que reconta a origem de Batman, por Frank Miller e David Mazzuchelli
Os editores da National
Publications, que viria a se tornar a DC Comics no futuro, encomendaram ao
desenhista Bob Kane um novo super-herói para ser publicado, devido ao sucesso
do personagem Superman.
Misturando conceitos da
literatura pulp da época (década de 1920 – 1930), com influências de
personagens como Zorro, Morcego Negro, O Sombra, de filmes expressionista
alemães (Consultório do Dr. Caligari, Nosferatu), Leonardo da Vinci, e Sherlock
Holmes, Bob Kane, com o auxílio de Bill Finger como escritor (que também
sugeriu algumas ideias para o visual do
personagem como a máscara que deveria cobrir quase todo o rosto, com orelhas e
capa pontudas) apresentou o personagem Bat-Man (esta era a grafia original do
personagem).
Estudos de Bob Kane para Bat-Man
Diferentemente do
Superman, o Bat-Man foi criado como um ser humano normal, vestido de morcego
para combater o crime
Sua primeira aparição
ocorreu na revista Detective Comics, nº 27, publicada em 1939.
Revista Detective Comics nº 27
A origem efetivamente do personagem somente foi contada em Detective Comics nº 33 em apenas duas páginas. De lá para cá esta é a base da origem do personagem, sem sofrer grandes modificações ao longo do tempo, apenas ampliada e detalhada pelos escritores e desenhistas.
Origem de Bat-Man, em Detective Comics, nº 33 (por Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson)
Em 1940, Batman ganhava
sua própria revista solo.
Mas, como nem tudo são
flores nos primórdios da criação desses personagens tão icônicos, Bob Kane, que
tinha um tino para os negócios e diferentemente de Shuster e Siegel (criadores do Superman), fez com que fosse colocada em cláusula de seu
contrato que ele deveria ser creditado em todas as histórias do Batman e ganhar uma certa porcentagem nos direitos autorais. Como o personagem agradou aos leitores e à editora, foi ainda garantida uma produção de 10 anos de histórias do Batman.
Kane sabia de suas limitações como desenhista. Tinha boas ideias, mas necessitava de ajuda. Assim, montou um estúdio que contratava roteiristas, desenhistas e arte-finalistas para criar novas histórias do Batman.
Bill Finger (principal roteirista)
e Jerry Robinson (arte-finalista) apesar de trabalharem com o personagem não eram
creditados oficialmente como co-autores.
Depois de muito tempo, Jerry
Robinson (talvez o mais injustiçado) tem sido recentemente creditado pela DC
Comics como co-autor de criação de Robin, Pinguim e Coringa, entre outros.
No início o clima que imperava nas
histórias era de mistério e suspense. Inclusive o personagem utilizava armas que descarregava em seus inimigos. Foram abandonadas após o personagem ganhar revista própria.
Os vilões criados para interagir com o homem-morcego
refletiam o gangsterismo, a sociopatia ou eram cientistas malucos.
Uma imensa galeria foi sendo criada ao longo dos anos. Entretanto, alguns tornaram-se recorrentes de tão populares. Podem ser citados: Coringa, Pinguim, Charada, Cara de Barro, Duas Caras, Mulher Gato, Chapeleiro
Louco, Senhor Frio, Hera Venenosa, Crocodilo, Arlequina, Bane, Ventríloquo e
Scarface, Hugo Strange, Pistoleiro e Ra’s Al Ghul.
Em
contrapartida, ele não luta sozinho contra esses e outros antagonistas, tendo o apoio do
Comissário Gordon, seu fiel mordomo Alfred, Robin (foram 3 a assumirem o manto ao longo da história do personagem –
Dick Grayson, Jason Todd e Tim Drake), Batgirl (também três mulheres a assumirem a alcunha: Bárbara
Gordon, Cassandra Cain e Kate Kane).
Hoje, podemos dizer que o personagem, assim como o Superman, é um ícone transmídia, estando presente em histórias em quadrinhos, livros, filmes, desenhos animados, seriados.
Nos vemos no próximo episódio
[1] O Título desta postagem foi retirada da Revista Batman 431, que reconta a origem do Batman, feita por Frank Miller e David Mazzuchelli.
[2] Devido ao fato de ser recontada ao longo do tempo, foram feitas alterações para o casal deixar a apresentação: ora era uma ópera, ora uma peça de teatro e a mais aceita hoje em dia uma sessão de cinema com exibição do filme Zorro.





